"Ludus est necessarius ad conversationem humanae vitae.”
“O humor é necessário para a vida humana.” (S. Tomás de Aquino)
Falam os entendidos que "o humor é um estado de ânimo cuja intensidade representa o grau de disposição e de bem-estar psicológico e emocional de um indivíduo", in Wikipédia
A sessão de O Clube de Leitura iniciou com um momento de descontração para facilitar a leitura, permitindo que a voz se torne mais clara e eficaz, captando a atenção do ouvinte.
LeItUrA dE pErNaS pArA o Ar
Após a descontração fomos agraciados pela Sara que nos ofereceu o chanoyu,
a cerimônia do chá japonês.
Mais quentes e deliciados pelo aroma do chá, cada um assumiu um papel de humorista, e fez a leitura do tema escolhido.
Leituras Individuais
Como já vem sendo habitual o Luís fez as hóstias à casa
Ora toma!
Personagem intemporal,
desalinhado em energia, na retórica e na postura, o Zé Povinho desenha-se no
traço grosseiro da robustez que caricatura o nosso colectivo.
Rindo ou gesticulando em
descaramentos, intervém ora vitimizando-se e submetendo-se, ora como alerta de
consciências não libertas de preconceitos. Entre a boémia e o laicismo, a
actualidade de Seu Zé Povinho não se esgota naquilo que configura a sua
personalidade popular, pelo contrário transborda da tipificação para a
excelência do pretexto que aponta ao comentário e à critica. Não poupando nada,
nem ninguém, não se contém em sarcasmos perante os factos políticos sociais e
institucionais.
A sua intervenção opinativa na
vida do país revela-se miticamente como reflexo de desejos, sentimentos e
necessidades que se descobrem pela praxis. Controversa e metafórica, a figura
do Zé Povinho cresce na ambiguidade que se joga entre o cinismo social e a
revolta genuína. Decorre da impotência que se denuncia no manguito e que
exorciza com a sabedoria popular o acto de cruzar os braços.
De apelido Povinho, diminutivo de
todos nós, Seu Zé nasce com respeito contraditório do que está para além de
senhor (Seu) e do que está aquém do diminutivo dobrado (Zé e Povinho).
Rapidamente se torna familiar perdendo o trato deferente e incorporando o todo
das características tipificadoras das gentes portuguesas. Deformado e deformador
impõe-se com o vigor que o eco da popularidade nacional lhe confere. Com
argúcia desvenda a injustiça e o grotesco, mas é no entanto com paciência e
submissão que digere o seu próprio destino.
Nasce com o 5º número da revista
A Lanterna Mágica, de 12 de Junho de 1875.
Em 1879, com o lançamento do novo
jornal O António Maria (Primeira Série), apesar de analfabeto, emerge com uma
presença constante que ridiculariza os factos nacionais.
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Luís |
Zé Povinho espalha
indiscriminadamente todo o seu fôlego satírico, ilustrando o catálogo da vida
nacional, política e social, e das suas incongruências.
Com a consistência do ícone
atravessa os periódicos que lhe dão vida ousando entre o arrojo e o fatalismo.
Com os Pontos nos ii, o Zé mantém a pertinência da sua crítica, agora mais
revestido de rebelião e aproximando-se dos ideais republicanos. Mas, também
destes se ri. Da rebeldia das suas atitudes sobram indignações e pessimismo. Na
Segunda Série de O António Maria mantém o enfoque certeiro que ridiculariza as
conjunturas da instabilidade alimentada na crise política e económica. A
censura que suspende a Paródia, dois anos após a morte do criador de Seu Zé,
enterra um discurso em desenho, mas não a figura que ainda hoje representa a
fatalidade de se ser português, melancolicamente sobrevivente.
Lido pela Agostinha
O
senhor SWEDENBORG e as investigações geométricas, de Gonçalo M. Tavares
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Agostinha |
A Adília seguiu a deixa anterior e leu
Miss
Povo 2012, por Ricardo Araújo Pereira
Quando
o ministro das Finanças anunciou que o povo português era o melhor do mundo,
vários cidadãos caíram nos braços uns dos outros a chorar. Não é frequente
Portugal ganhar galardões mundiais importantes, e por isso é natural que as
pessoas se emocionem com uma distinção desta envergadura. Embora o regulamento
do prémio permaneça desconhecido, toda a gente imagina a tramitação do processo
que culminou com a eleição de Portugal: um júri, formado pelos mais
prestigiados apreciadores de povos do mundo, avaliou a totalidade dos povos do
planeta, desde os chineses aos bosquímanos do Sudoeste africano, e deliberou
que o melhor povo do mundo era o português. A organização do concurso entregou
um envelope com a decisão a Vítor Gaspar, a quem coube a honra de anunciar, em
directo, o grande vencedor. Suecos, americanos, alemães, franceses e todos os
outros povos do mundo ficaram a saber que têm de se esforçar um pouco mais. O
melhor aglomerado de pessoas, a nível mundial, é aquele que tem nacionalidade
portuguesa. Embrulhem.
Na
verdade, o ministro disse mais: o povo português é o melhor povo do mundo e o
maior activo de Portugal. Portanto, do ponto de vista económico, fazem todo o
sentido os incentivos do Governo à emigração: qualquer país procura exportar o
seu maior activo. Quando se diz que Portugal não é forte na produção de bens
transaccionáveis, tal não é verdade. Produzimos povo muito bom (o melhor do
mundo, aliás) e exportamo-lo cada vez mais. Não admira. Quem quer povo, em
princípio, não se contenta com menos do que o melhor, e isso explica o apetite
dos mercados internacionais pela nossa produção de gente.
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Adília |
No
entanto, sem colocar em causa a nossa vitória no certame Miss Povo, gostaria de
apelar a uma recontagem dos votos. Não duvido de que possamos ter ganho, não me
interpretem mal. Mas acredito que é mais prováveis termos ganho numa daquelas
categorias menores. Mais do que sermos um povo bom, somos um povo simpático,
que se manifesta ordeiramente. Aguardamos o final do discurso do sr. Presidente
da República para começar a gritar desesperadamente. E rematamos o protesto com
canto lírico afinadíssimo, aplaudido por todos os presentes, antes de retomarem
a sua vida. E ficam muito bem nas fotos, os nossos abraços aos agentes da
polícia de intervenção. Talvez não tenhamos ganho o troféu Miss Povo. Mas as
faixas de Miss Simpatia e Miss Fotogenia, ninguém nos tira.
E, embrulhem!
A Graciete, a Fernanda e a Helena leram:
Há
doenças terríveis que nos afectam o físico e a alma. Não vamos falar dessas que
o tema hoje é o humor.
Alguns
de nós sofremos de maleitas crónicas que nos incomodam como, por exemplo, as
alergias, as diarreias, as obstipações...
Mesmo
quem não sofre destes males crónicos, uma vez por outra, lá vai a correr para o
wc agarrado à barriga, ou lá vai o purgante! Estas maleitas só afectam
directamente o pobre sofredor, mas existe uma maleita crónica que afecta
terceiros.
A
imbecilidade.
Todos,
numa ou outra altura das nossas vidas já passámos por este padecimento, quase
sempre na adolescência. Mas em alguns de nós este mal permanece para sempre.
Os
poemas que vos vamos ler são a resposta, a única resposta, que uma de nós
encontrou para responder à verborreia de uma imbecil.
E
não é que este por um momento, breve é certo, ficou iluminado!
Ora,
aqui vos apresentamos do “nosso querido” José Ary dos Santos…
Sones
Detergium
Poligónica forma pró-dislate
ornitúrricaturra pró-falsete
sulfactídica amostra disparate
encefàlicoestèticorretrete
protossónico vate calafate
tripanado linfático filete
xadrezista charada chequemate
torniquete cacete cacetete
tartufácil engodo redundante
taralhoco barroco bipedante
apócrifo proscénio pró-toleima
leucocito bacilo obliterante
lexicólogo rícino purgante
pirotècnicotécnica almorreima.
O
Espanador
Vade retro
vade recto
vá-se rectrodecantar
vate vidente concreto
do espaço por ocupar.
Vade retro
ante projecto
do poema circular
pousado como um insecto
nas sombras do intelecto
que ontem comeu ao jantar.
Vade retro
vá de metro
vá de burro passear
mas não leve o alfabeto
não se pode constipar.
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Fernanda, Helena e Graciete |
A Teresa trouxe-nos, em português, um excerto do livro
Como aprender inglês e deixar de armar em Índio, de Alicia Calle.
"TV set.
Switch the TV set into the locker, press button C and turn button B. Check lock before switching. Press button up/down. Setting on the clock..."
Ora, tomem lá!
"- Porra! Que faço?
Calma, calma, não se enerve. Já o tinha prevenido.
- Chinês, isto é chinês, Elisabete, e agora, como é que esta porra funciona? Hem? Porra, que merda!
E, ainda por cima, a sua mulher grita consigo:
- És tonto, Aníbal, essa é de caras. Mete-a na ficha e já está."
"Piii, Piii..."
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Teresa |
E, aparece a Luísa, com
O Caso do Beco das Sardinheiras, de Mário de Carvalho.
Descubram no link quem engoliu a lua.
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Luísa |
O Tombo da Lua
A Fernanda leu-nos um texto da sua autoria, sobre o seu humor matinal e a forma como os outros o vêem.
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Fernanda |
Já a Sandra lembrou-nos
Natália Correia, na sequência da
afirmação do deputado do CDS, João Morgado, em Abril de 1982, de que «o acto
sexual é para fazer filhos», respondeu-lhe com o seguinte poema, provocando o
riso em todas as bancadas parlamentares.
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Sandra |
Já que o coito – diz Morgado –
tem como fim
cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve
truca-truca.
Sendo pai só de um
rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril
instrumento
só usou – parca ração!
-
uma vez. E se a função
faz o órgão – diz o
ditado –
consumada essa
excepção,
ficou capado o Morgado.
A Márcia aventurou-se pela velhice...
A Aventura da Velhice, Miguel Esteves Cardoso
Gosto muito de velhos. Os velhos são o nosso futuro.
São um bocadinho malucos, mas isso tem graça. Irrita-me quando dizem que uma
pessoa está “senil” só porque não corresponde ao que se espera dela. Quando eu for
velho também quero ser senil. Hei-de chamar nomes horríveis, repetidamente aos
funcionários, políticos e outros empregados empertigados que não me caírem no
goto, no ouvido. Alto. Naquele cana-rachada irritante: “Ó seu grande monte de
cocó de galinha, porque é que não trata as pessoas como deve ser?”
Na minha cabeça tenho uma listinha com os nomes e as
moradas de todas as pessoas que mas hão-de pagar. Quando for velho e puder
passar por xexé, sem medo de ser preso ou de levar pancada, hei-de divertir-me
a vingar-me delas. Ser velho é a mesma coisa que ser Super-homem. Ninguém nos
toca.
(…)
Os velhos e as velhas, sempre que podem, andam com
raparigas e rapazes com um terço ou um quarto da idade deles. As pessoas ficam
“horrorizadas”, acham “um nojo” e não sei que mais. Mas eu estou do lado dos
velhos. Têm o mesmo direito dos outros, de fazer o que lhes apetecer deste que
não façam mal a ninguém. Vão morrer e estão a aproveitar a vida que lhes resta
– que mal é que isso tem? É perfeitamente saudável e natural que quem acaba
rico e sozinho açambarque todas as raparigas e todos os rapazes que puder,
esbanjando dinheiro a comprar-lhes prendas e diamantes. É que a velhice em si,
ao contrário da juventude em si, só por si não compensa. Daí que faça todo o
sentido compensá-la. Força!
Perguntem-me se eu fosse governante deste país,
quanto dinheiro é que eu daria aos jovens portugueses. Perguntem-me como é que
eu os apoiava, em atenção às dificuldades que enfrentam. Vá, perguntem-me. Nem
um tuste. Eles que o ganhem. Os jovens acabam sempre por arranjar qualquer
coisa. Está na natureza da vida que um jovem se safa quando cresce. Não. Eu
daria o dinheiro que houvesse aos velhos. Para eles comprarem compact discs,
cruzeiros, raparigas e rapazes – enfim, para eles estourarem. Há uma horrível
forretice utilitária na maneira como os governantes dão “incentivos” aos
jovens. Estão a “investir”. Não estão a pensar noutra coisa senão nos lucros
sociais e económicos desse investimento.
Os velhos, em contrapartida, merecem ter os bolsos
recheados de notas de cinco contos. Estão fartos de trabalhar e de viver. E a
senilidade não sai barata. Não há visão mais feliz do que aquela (tão frequente
na Inglaterra) de um autocarro cheio de velhas, com os cabelos azuis e lenços
de plástico transparente nas cabeças, a caminho do salão do Bingo, segurando
nas mãos a generosa reforma que se preparam para desbaratar. São totalmente irresponsáveis.
E fazem muito bem. A vida está mal organizada. O melhor bocado deveria estar
guardado para o fim.
Como o fim é o pior bocado de todos, com doenças e
fraquezas e humilhações de todas as espécies, a sociedade deveria fazer tudo
para torná-la na maior paródia possível.
Só um jovem é capaz de aguentar as condições
miseráveis de um lar de terceira idade. Um velho precisa de um bom hotel, com
um excelente serviço de quarto, televisão de satélite e uma boa ambulância à
porta. Se a sociedade fosse justa (como já em tempos foi) havia de providenciar
uma existência em que os luxos fossem aumentando à medida que uma pessoa se
fosse aproximando da morte. Nem sai muito caro facilitar a vida aos velhos
porque os desgraçados morrem e deixam de ser uma despesa. Aquilo que hoje
acontece é precisamente o contrário. Os velhos não podiam ser mais maltratados.
Os jovens, em comparação, são positivamente apaparicados. E volto à minha
observação inicial. Se os velhos são desprezados e esquecidos, porque é que não
se hão-de portar como delinquentes? Acho muito bem que abusem. Quando eu for
velho, não hei-de descansar num comboio ou autocarro enquanto não fizer
levantar um moço ou uma moça do assento, com um toque firme da bengala. Hei-de
obrigar as pessoas – sobretudo aquelas com um ar de relutância – a ajudar-me a
fazer tudo. A tirar o porta-moedas do bolso. As moedas do porta-moedas. E isso
se me estiver a sentir generoso e me apetecer pagar. Em transportes públicos
(incluindo táxis) nunca. Niguém tem coragem de pôr um velhinho na rua ou na
cadeia. Há bastantes crimes que se podem cometer sem perigo de retaliação. Dos
bons. Os juízes geralmente respeitam a velhicem. “Ó senhor Juiz, desculpe, mas
quando roubei este Porsche não sabia que ia fazer falta aos patos da Tia Benta…”
“Da tia quê?”, pergunta o juiz, confuso. “O homem está senil!”, diz o jovem
advogado. E pronto. Mais uma no bucho.
Enquanto a sociedade portuguesa não respeitar e
recompensar os velhos devem revoltar-se e ser o mais revoltantes possível.
Portem-se mal! Se vão par ao inferno, porque não hão-de passar o que vos resta
da vida, tornando a vida de quem resta no maior inferno possível? Não tenham
compunções nem preconceitos. Eles também hão-de ser velhos um dia. Não é este,
o sentido da democracia?
|
Márcia |
O Paulo leu alguns excertos de
A Filosofia com Humor, Pedro Gonzalez Calero
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Paulo |
A Ana Martins
LINDO
MONSTRO, de António Torrado
Não sou assim tão feio, disse o monstro,
a ver-se ao espelho.
Dos olhos, o do meio, ora azul ora vermelho
e pestanudo,
dá-me um ar singular,
tal como a tromba a badalar
e o pontiagudo dente
que não sei disfarçar
de tão evidente, saliente
ao sorrir e ao falar
e que, por ser maior, coisa pouca,
me alarga demais o canto da boca.
|
Ana Martins |
Mas
há pior, mais feios,
feios, de uma fealdade louca
cheios de verrugas
que nem tartarugas.
Monstros a valer.
Feios,
feios, feios
que mais não podem ser.
Feio,
eu? Cabeçudo? Façanhudo? Orelhudo?
Ora. Paleio.
O que eu tenho é um mau parecer.
A Sara, sobre o tema
Cartas a Deus, Carlos Pinto Coelho
|
Sara |
E, terminámos com muito riso, abordando um mesmo texto de formas muito pouco frequentes de ler. Adivinhar? Só para quem lá esteve...
(falta uma foto da Sara com a Luísa que deram um show de riso)
Até à próxima sessão...