Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminha para a vida,
por uma nova ilusão entontecida
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.
Mar, Poesias de Sophia de Mello Breyner Andresen
Carmen |
"No mar passa de onda em onda repetido
O meu nome fantástico e secreto
Que só os anjos do vento reconhecem
Quando os encontro e perco de repente"
Poesias de Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Tempo Dividido,
seleccionadas por Carmen Ezequiel
seleccionadas por Carmen Ezequiel
LeItUrA dE pErNaS pArA o Ar
(A Leitura de Pernas para o Ar é uma leitura alternativa à leitura individual. De modo que a mesma poderá ser sobre o tema da sessão, ou não, lida (e não decorada), de pé, sentado, deitado, em cima de uma mesa, com um pé, com dois, com três, ou sem nenhum,..., no fundo, para que quem faz a leitura se sinta pleno e descontraído)
Luís |
A Menina Feia
A menina feia
tem dentes de rato
e pêlos nas pernas
à moda de um cacto.
A menina feia
tem olhos em bico
e o seu nariz
pica como um pico.
A menina feia,
sardenta gorducha
não parece gente,
só lembra uma bruxa.
***
Se fechares teus olhos,
a ouvires cantar,
é uma sereia,
princesa do mar.
Se fechares teus olhos
e chegares pertinho,
ela cheira a rosas
e a rosmaninho.
Se lhe deres a mão,
vês que é de veludo
e tens uma amiga
pronta para tudo.
Luísa Ducla Soares
A menina feia
tem dentes de rato
e pêlos nas pernas
à moda de um cacto.
A menina feia
tem olhos em bico
e o seu nariz
pica como um pico.
A menina feia,
sardenta gorducha
não parece gente,
só lembra uma bruxa.
***
Se fechares teus olhos,
a ouvires cantar,
é uma sereia,
princesa do mar.
Se fechares teus olhos
e chegares pertinho,
ela cheira a rosas
e a rosmaninho.
Se lhe deres a mão,
vês que é de veludo
e tens uma amiga
pronta para tudo.
Luísa Ducla Soares
LeItUrAs InDiViDuAiS
(A Leitura Individual (ou de grupo) é feita sobre um tema atempadamente seleccionado. O tempo deverá ser igual ou inferior a 3m. Para a superação de algumas dificuldades poderá ser utilizado o mesmo texto e algumas técnicas que facilitam a sua correcção.)
As leituras individuais desta sessão seguem uma ordem aleatória
E, porque em Carnaval ninguém leva a mal, mascarar, mascarar foi o que este dinâmico grupo nos trouxe.
Helena, Graciete, Ana e Fernanda Azevedo |
"O que eu queria dizer-te nesta tarde
Nada tem de comum com as gaivotas"
Não Fora o Mar!
Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.
Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.
Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.
Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.
Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.
Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.
Não fora o mar
e o meu canto seria flor e mel,
asa de borboleta, rouxinol,
e não rude halali, garra cruel,
Águia Real que desafia o sol.
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.
Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.
Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.
Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.
Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.
Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.
Não fora o mar
e o meu canto seria flor e mel,
asa de borboleta, rouxinol,
e não rude halali, garra cruel,
Águia Real que desafia o sol.
Não fora o mar
e este potro selvagem, sem arção,
crinas ao vento, com arreio,
meu altivo, indomável coração,
Não fora o mar
e comeria à mão,
não fora o mar
e aceitaria o freio.
Fernanda de Castro, in "Trinta e Nove Poemas”
e este potro selvagem, sem arção,
crinas ao vento, com arreio,
meu altivo, indomável coração,
Não fora o mar
e comeria à mão,
não fora o mar
e aceitaria o freio.
Fernanda de Castro, in "Trinta e Nove Poemas”
"Como um oásis branco era o meu dia
Nele secretamente eu navegava
Unicamente o vento me seguia"
Adília |
Viagem
É o vento que me
leva.
O vento lusitano.
É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.
É esta fúria de loucura mansa
Que tudo alcança
Sem alcançar.
Que vai de céu em céu,
De mar em mar,
Até nunca chegar.
E esta tentação de me encontrar
Mais rico de amargura
Nas pausas da ventura
De me procurar...
Miguel Torga, in 'Diário XII'
O vento lusitano.
É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.
É esta fúria de loucura mansa
Que tudo alcança
Sem alcançar.
Que vai de céu em céu,
De mar em mar,
Até nunca chegar.
E esta tentação de me encontrar
Mais rico de amargura
Nas pausas da ventura
De me procurar...
Miguel Torga, in 'Diário XII'
Perpétua |
"Serenamente sem tocar nos ecos
Ergue a tua voz
E conduz cada palavra
Pelo estreito caminho"
Poema do homem-rã
Sou feliz por ter nascido
no tempo dos homens-rãs
que descem ao mar perdido
na doçura das manhãs.
Mergulham, imponderáveis,
por entre as águas tranquilas,
enquanto singram, em filas,
peixinhos de cores amáveis.
Vão e vêm, serpenteiam,
em compassos de ballet.
Seus lentos gestos penteiam
madeixas que ninguém vê.
Com barbatanas calçadas
e pulmões a tiracolo,
roçam-se os homens no solo
sob um céu de águas paradas.
Sob o luminoso feixe
correm de um lado para outro,
montam no lombo de um peixe
como no dorso de um potro.
Onde as sereias de espuma?
Tritões escorrendo babugem?
E os monstros cor de ferrugem
rolando trovões na bruma?
Eu sou o homem. O Homem.
Desço ao mar e subo ao céu.
Não há temores que me domem
É tudo meu, tudo meu.
António Gedeão
"Iremos juntos sozinhos pela areia
Embalados no dia
Colhendo as algas roxas e os corais
Que a praia deixou a maré-cheia"
Agostinha |
Marinheiro Real
Vem do mar azul o marinheiro
Vem tranquilo
ritmado
inteiro
Perfeito como um deus,
Alheio às ruas.
Sophia de Mello Breyner Adresen
"No dia puro procura um rosto puro
Um rosto voluntário que apesar
Do tempo dos suplícios e dos nojos
Enfrente a imagem límpida do mar"
Luís |
Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves, só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves, só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.
Eugénio de
Andrade
"Assim os claros filhos do mara largo
Atingidos no sonho mais secreto
Caíram de um só golpe sobre a terra
E foram possuídos pela morte"
Sara |
O Vagabundo do Mar
Sou barco de vela e remo
sou vagabundo do mar.
Não tenho escala marcada
nem hora para chegar:
é tudo conforme o vento,
tudo conforme a maré...
Muitas vezes acontece
largar o rumo tomado
da praia para onde ia...
Foi o vento que virou?
foi o mar que enraiveceu
e não há porto de abrigo?
ou foi a minha vontade
de vagabundo do mar?
Sei lá.
Fosse o que fosse
não tenho rota marcada
ando ao sabor da maré.
É por isso, meus amigos,
que a tempestade da Vida
me apanhou no alto mar.
E agora
queira ou não queira,
cara alegre e braço forte:
estou no meu posto a lutar!
Se for ao fundo acabou-se
Estas coisas acontecem
aos vagabundos do mar. Manuel da Fonseca, Poemas completos
"As palavras que disseres e que eu disser
Serão somente as palavras que há nas coisas
Virás comigo desumanamente
Como vêm as ondas com o vento"
Fernanda Quintino |
Fundo do mar
No fundo do
mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais
são flores.
Mundo
silencioso que não atinge
A agitação
das ondas.
Abrem-se
rindo conchas redondas,
Baloiça o
cavalo-marinho.
Um polvo
avança
No desalinho
Dos seus mil
braços,
Uma flor
dança,
Sem ruído
vibram os espaços.
Sobre a
areia o tempo poisa
Leve como um
lenço.
Mas por mais
bela que seja cada coisa
Tem um
monstro em si suspenso.
Sophia de
Mello Breyner Andresen, in Obra Poética
I
|
"O belo dia liso como um linho
Interminável será sem um defeito
Cheio de imagens e conhecimento"
Paulo |
O Dia do Mar
O mar, não tem marés a medir.
O mar
que tudo junta tudo separando
que todos vai trazendo e vai levando
com vários planos.
O mar
sustenta a infindável aventura
das ilhas que nele andam à procura
dos seus oceanos.
O mar, não tem marés a medir.
O mar começa o seu dia em Santa Maria da Boa Viagem.
Alarga para São Miguel ajeita o farnel e segue com a aragem.
Arrima para a Terceira arranja maneira de molhar o bico.
Na Graciosa dá beijos acalma os desejos e ala! Para o Pico.
Aí conversa primeiro com um baleeiro do Dias de Melo.
Engrossa-se a meio canal sorri para o Faial que dá gosto vê-lo.
São Jorge pára nas Velas e faz um coral com nove cagarras.
Nas Flores cumprimenta o povo encosta-se ao Corvo
e estende as amarras.
O mar, não tem marés a medir.
O mar
enorme qualidade de estar perto
imensa negação do que é deserto
neste cantar.
O mar
o sem razão mais forte deste mundo
talvez por não pensar e ser profundo
o nosso mar
O mar, não tem marés a medir.
O mar
que tudo junta tudo separando
que todos vai trazendo e vai levando
com vários planos.
O mar
sustenta a infindável aventura
das ilhas que nele andam à procura
dos seus oceanos.
O mar, não tem marés a medir.
O mar começa o seu dia em Santa Maria da Boa Viagem.
Alarga para São Miguel ajeita o farnel e segue com a aragem.
Arrima para a Terceira arranja maneira de molhar o bico.
Na Graciosa dá beijos acalma os desejos e ala! Para o Pico.
Aí conversa primeiro com um baleeiro do Dias de Melo.
Engrossa-se a meio canal sorri para o Faial que dá gosto vê-lo.
São Jorge pára nas Velas e faz um coral com nove cagarras.
Nas Flores cumprimenta o povo encosta-se ao Corvo
e estende as amarras.
O mar, não tem marés a medir.
O mar
enorme qualidade de estar perto
imensa negação do que é deserto
neste cantar.
O mar
o sem razão mais forte deste mundo
talvez por não pensar e ser profundo
o nosso mar
O mar, não tem marés a medir.
Fernando Tordo
"Eu contarei a beleza das estátuas -
Seus gestos imóveis ordenados e frios -
E falarei do rosto dos navios"
Anabela |
Passei o Dia
Ouvindo o que o Mar Dizia
Eu hontem passei o dia
Ouvindo o
que o mar dizia.
Chorámos,
rimos, cantámos.
Falou-me do
seu destino,
Do seu fado...
Do seu fado...
Depois, para
se alegrar,
Ergueu-se, e
bailando, e rindo,
Pôs-se a
cantar
Um canto
molhado e lindo.
O seu hálito
perfuma,
E o seu
perfume faz mal!
Deserto de águas sem fim.
Ó sepultura
da minha raça
Quando me
guardas a mim?...
Ele
afastou-se calado;
Eu
afastei-me mais triste,
Mais doente,
mais cansado...
Ao longe o
Sol na agonia
De roxo as
águas tingia.
«Voz do mar,
misteriosa;
Voz do amor
e da verdade!
- Ó voz
moribunda e doce
Da minha
grande Saudade!
Voz amarga
de quem fica,
Trémula voz
de quem parte...»
. . . . . .
. . . . . . . . . .
E os poetas
a cantar
São ecos da
voz do mar!
António
Botto, in 'Canções'
"Mergulho no dia como em mar ou seda
Dia passado comigo e com a casa
Perpassa pelo ar um gesto de asa
Apesar de tanta dor e tanta perda"
Luísa |
Linha de Água
(...)
Teobaldo Virgínio
"O mar rolou as suas ondas negras
Sobre as praias tocadas de infinito"
Teresa |
Através da
Chuva e da Névoa
Chovia e
vi-te entrar no mar
longe de
aqui há muito tempo já
ó meu amor o
teu olhar
o meu olhar
o teu amor
Mais tarde
olhei-te e nem te conhecia
Agora aqui
relembro e pergunto:
Qual é a
realidade de tudo isto?
Afinal onde
é que as coisas continuam
e como
continuam se é que continuam?
Apenas
deixarei atrás de mim tubos de comprimidos
a casa
povoada o nome no registo
uma menção
no livro das primeiras letras?
Chovia e
vi-te entrar no mar
ó meu amor o
teu olhar
o meu olhar
o teu amor
Que importa
que algures continues?
Tudo morreu:
tu eu esse tempo esse lugar
Que posso eu
fazer por tudo isso agora?
Talvez dizer
apenas
chovia e
vi-te entrar no mar
E aceitar a
irremediável morte para tudo e todos
Ruy Belo in
“Todos os Poemas I”
"As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços"
Nuno |
O Clube de Leitura - Sessão MAR |
"Vive com a memória exacta
De todos os desastres
Aos deuses não perdoes os naufrágios
Nem a divisão cruel dos teus membros"
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